Carta

Blason   Abadia de São José de ​​Clairval

F-21150 Flavigny-sur-Ozerain

France


Baixar como pdf
[Cette lettre en français]
[This letter in English]
[Dieser Brief auf deutsch]
[Deze brief in het Nederlands]
[Esta carta en español]
[Questa lettera in italiano]
15 Setembro 2019
festa de Nossa Senhora das Dores


Caro amigo da Abadia de São José

Janeiro de 1367. Vicente tem dezassete anos quando bate à porta do convento dos Dominicanos de Valência (Espanha) para consagrar a vida a Cristo. Não necessita de recomendação, pois o pai, Guillerme Ferrer, notário real da cidade, é muito conhecido no convento. Ele e a esposa, Constança Miquel, são generosos com os religiosos. Todos se recordam, em Valência, do milagre que Deus fez para asssinalar o destino especial do menino, quando ainda se encontrava no seio materno. Enquanto a mãe pedia a uma cega, que ajudava pessoalmente, que rezasse para que o parto decorresse sem problemas, a pobre mulher inclinou a cabeça sobre o seio da sua benfeitora para abençoar ternamente o menino ; no mesmo instante, recuperou a vista e exclamou : «  Ditosa mãe!  Trazeis um anjo que acaba de me devolver a claridade do dia ! ». E, a 23 de Janeiro de 1350, veio ao mundo um menino a quem os pais baptizaram nesse mesmo dia, sob a protecção de de São Vicente, diácono de Saragoça, martirizado por volta do ano 303, em Valência.

Na sua misericórdia, o Senhor outorga a Vicente não somente uma alma contemplativa para O adorar nas igrejas e diante do sacrário onde reside, mas también o faz vibrar de admiração perante o espectáculo das suas obras na natureza, em especial diante da imensidade do mar. Espontaneamente, o menino improvisa-se em pregador dos seus companheiros, se bem que nem todos estivessem igualmente dispostos a escutá-lo, e alguns procuram ridicularizá-lo. Um dia, ao vê-lo aproximar-se, um deles cai de súbito no chão, enquanto os seus cúmplices começam a gritar, pedindo auxílio. Vicente precipita-se para ele ; então, os patifes suplicam-lhe que faça um milagre em favor do moribundo. Surpreendido por um instante, o interpelado olha para eles fixamente, e com calma, e depois, muito sério, diz-lhes : « Simulou estar morto para vos divertir, mas errou, pois morreu verdadeiramente ». Os demais partem-se de riso e gozam com Vicente, ao mesmo tempo agitam o companheiro para que se levante. Em vão, pois que o rapaz está efectivamente morto. Pressionado pelas súplicas sinceras de outros companheiros bem intencionados, Vicente obtém de Deus a ressurreição do imprudente jovem.

Após os estudos, Vicente ingressa no noviciado dos Dominicanos de Valência. Apesar da seriedade da sua vocação, os primeiros anos foram difíceis, pois o convento atravessa uma fase de desleixo. Entretanto, o padre Tomás Carnicer, mestre dos noviços, esforça-se para a recuperação de uma mais exacta observância da regra dos dominicanos. Sob o seu acompanhamento, Vicente faz profissão de votos em 1368. Depois prossegue brilhantemente os estudos de teologia, deslocando-se de “studium” (convento de estudos) en “studium” : Gerona, Lérida, Maiorca, até ao “studium” geral de Barcelona, e finalmente a Toulouse (França), que constitui para a sua Ordem a coroação da vida intelectual. É ordenado sacerdote em 1378 pelo cardeal Pedro de Luna, que desempenhará um papel importante na sua vida.

« Ouvi-o pregar »

De regresso ao seu país natal em 1383, Vicente leva uma vida ascética enquanto exerce o cargo de teologal (cónego do cabido da catedral encarregado de ensinar teologia e de pregar em certas ocasiões). Em 1388, é-lhe conferido o título de “Mestre em teologia” (grau de doutor). Depressa, o seu zelo e o êxito dos seus sermões suscitam invejas. Homens mal intencionados utilizam um estratagema para sujar a reputação moral do pregador : levam à casa de uma mulher de má vida um homem de idade e depravado, a quem Vicente tinha frequentemente repreendido por causa das suas desordens, e que pede à mulher que mantenha em segredo o encontro, pois diz que se chama Vicente Ferrer. Mas a desgraçada depressa espalha o que aconteceu e o escândalo estala na cidade. Ao religioso resulta impossível desculpar-se. Todavia, pela ocasião de uma assembleia pública solene, um irmão do dominicano indicando Vicente pergunta à mulher se o reconhece. « Não, não é ele quem me disse chamar-se Vicente Ferrer —responde ela formalmente. A este conheço-o, ouvi-o pregar várias vezes. O outro era bastante mais idoso, quase um ancião ».

O padre Vicente passa aos seus contemporâneos uma oportuna mensagem de penitência, que o Senhor confirma mediante o dom dos milagres ; de facto, os actos da canonização de São Vicente Ferrer mencionarão mais de oitocentos, entre os quais se encontram numerosas ressurreições.

Com efeito, « para que a homenagem da nossa fé fosse conforme à razão — ensina o Catecismo da Igreija Católica—, Deus quis que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados das provas exteriores da sua Revelação. Assim os milagres de Cristo e dos santos… são sinais certos da Revelação, adaptados à inteligência de todos,” motivos de credibilidade” mostrando que o assentimento da fé não é, “de modo algum, um movimento cego do espírito” » (CIC, núm. 156).

Entretanto, a popularidade de Vicente não favorece a paz no interior do convento, pelo que o superior, ultrapassado pela situação, proíbe-o de fazer milagres. O dominicano mostra-se dócil e submete-se religiosamente. Um dia, contudo, enquanto caminha do convento para a catedral, vê cair um operário de um andaime. Invocando a Deus espontaneamente, detém a queda a vários metros do solo, depois regressa ao convento pedindo autorização para salvar o infeliz. Comovido, o superior permite-o, e retira a proibição.

Duas obediências

Naquele final de século XIV, a Igreja vive uma gravíssima crise. Em 1378, o Papa Urbano VI é eleito em Roma, mas a sua política e o seu comportamento tornam-no odioso perante a maioria dos cardeais. Alguns deles, guiados por Pedro de Luna, defendem a nulidade da eleição, aludindo aos distúrbios que se tinham produzido durante o conclave. Assim pois, elegem para os governar um outro papa, que toma o nome de Clemente VII e que se instala em Avinhão. Desse modo começa o Grande Cisma do Ocidente que durará trinta e nove anos. A Igreja divide-se em duas : a obediência romana, que reúne principalmente os Estados Italianos, o Império Romano- Germânico e a Inglaterra, face à obediência ao papa de Avinhão, que agrupa a França, Castela, Aragão e Escócia. As investigações dos historiadores permitiram estabelecer, muito mais tarde e com certeza, que Urbano VI era o Papa legítimo. Como todos os do seu país natal, o padre Vicente recusa de boa fé a legitimidade de Urbano VI, confiando no julgamento dos cardeais da oposição, e em Pedro de Luna em particular. O pregador valenciano sabe, todavia, que não pode haver simultaneamente dois Papas, porque apenas há uma Igreja fundada por Jesus Cristo. Considera que é necessário averiguar quem é o Papa legítimo e obedecer-lhe, pois há um só Corpo e uma só fé (Ef 4, 4-5).

A 19 de Junho de 2013, o Papa Francisco recordava que « fazer parte da Igreja quer dizer estar unido a Cristo e receber d’Ele a vida divina que nos faz viver como cristãos, quer dizer permanecer unidos ao Papa e aos bispos que são instrumentos de unidade e de comunhão. Mas como teremos a unidade entre os cristãos se não somos capazes de tê-la entre nós, católicos? De tê-la na família ?  Quantas famílias se combatem e se dividem ! Buscai a unidade, a unidade que faz da Igreja. A unidade vem de Jesus Cristo. Ele envia-nos o Espírito Santo para fazer a unidade ».

Em 1394, após a morte do antipapa Clemente VII, Pedro de Luna é escolhido para lhe suceder, com a condição de pôr fim ao cisma por todos os meios, incluída a sua própria demissão se chegar a ser o caso. Toma o nome de Bento XIII e manda chamar junto dele, a Avinhão, Vicente Ferrer. Não contente em fazê-lo seu confessor, nomeia-o grão penitenciário e Mestre do Santo Palácio. Embora se tenha tornado um dos homens mais importantes da cúria, o dominicano recusa a púrpura cardinalícia, apesar da vontade expressa do anti-papa. Mas, depressa desaprova a política belicosa de Bento XIII e retira-se do palácio pontifício para o convento dos frades pregadores. Mantém, apesar de tudo, o seu apoio ao Papa de Avinhão, enquanto continua convencido da sua legitimidade.

A iminência do Juízo

Com o coração destroçado pelo cisma na Igreja, Vicente Ferrer oferece a Deus as suas orações, jejuns e penitências, para que termine a dissidência, enquanto cumpre fielmente a sua missão de pregador. Atormentado pela angústia, cai gravemente doente. A 3 de Outubro de 1398, terceiro dia da sua enfermidade, Nosso Senhor aparece-se-lhe, acompanhado de São Francisco e de São Domingos, e confia-lhe a missão de pregar pelo mundo, à imitação daqueles dois grandes fundadores, deixando-lhe entender que « esperaria misericordiosamente os resultados dessa pregação antes da vinda do anticristo » (carta de São Vicente a Bento XIII). Tocando-o com a mão, Jesus cura milagrosamente Vicente, confirmando desse modo a realidade da visão. O dominicano deduz — e disso ficará sempre persuadido, como outros grandes santos o acreditaram na sua época, por exemplo São Gregório Magno (540-604) — que o Juízo final está iminente, e por isso o anunciará com frequência ao povo. A 22 de Novembro de 1399, tendo obtido autorização de Bento XIII, abandona Avinhão para realizar uma peregrinação através da Europa que durará até ao fim dos seus dias : percorrerá França, Itália, Espanha e Suíça, com o objectivo de preparar os povos perante o Julgamento de Deus.

« Antes da vinda de Cristo —recorda o Catecismo da Igreja Católica—, a Igreja deve passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes. A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra, porá a nu o “mistério de iniquidade” sob a forma de uma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A impostura religiosa suprema é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado » (CIC, núm. 675).

Muitas pessoas convertidas pela pregação do padre Vicente seguem seus passos de cidade em cidade. Esses peregrinos vestem uma espécie de uniforme, um hábito negro e branco, e entre eles reina uma grande caridade fraterna. O espectáculo que oferecem as suas procissões e o seu modo de vida exemplar completam poderosamente a pregação do missionário. Em 1405, chega a Génova. Na ocasião, a república liguriana estava devastada pela peste. Vicente Ferrer organiza o tratamento dos doentes, mas também procissões do Santíssimo Sacramento pelas ruas. Nessa cidade cosmopolita, onde não se pode prescindir do serviço dos intérpretes, os seus ouvintes constatam pela primeira vez um facto singular : todos entendem ao mesmo tempo na sua língua o sermão do orador, o qual, na verdade, em qualquer lugar onde se encontre, unicamente se expressa no seu valenciano natal, ou em latim.

Seguir verdadeiramente a Jesus

Los sermões do dominicano tratam principalmente da reconciliação das almas com Deus no sacramento da Penitência. De facto, a observância da lei de Deus (os dez mandamentos) deixa muito a desejar ; Vicente Ferrer sabe muito bem que « Seguir a Jesus implica cumprir os Mandamentos. A Lei não é abolida. Pelo contrário, o homem é convidado a encontrá-la na pessoa do Divino Mestre, que a realiza perfeitamente em si mesmo, revela o seu pleno significado e atesta a sua perenidade » (Compêndio do CIC, núm. 434). « As “Dez palavras” indicam as condições de uma vida libertada da escravidão do pecado. O Decálogo é um caminho de vida » (CIC, núm. 2057). Se queres entrar na vida, observa os mandamentos —responde Jesus ao jovem rico (Mt 19, 17). São João acrescenta : Pois nisto consiste o amor a Deus : em que guardemos os seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados (1 Jo 5, 3). Jesus, com efeito, está connosco todos os dias, e disse : Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados, que eu vos aliviarei… Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve (Mt 11, 28-30). Além disso, o Catecismo afirma : « O que manda Deus torna-o possível através da graça » (CIC, núm. 2082).

Necessitamos de ouvir que nos recordem a perspectiva do Juízo universal : «A mensagem do Juízo final chama à conversão enquanto Deus dá aos homens o tempo favorável, o tempo da salvação (2 Co.6, 2). Inspira o santo temor de Deus. Compromete para a justiça do Reino de Deus. Anuncia a bem-aventurada esperança (Tt.2, 13) do regresso do Senhor que virá para ser glorificado nos seus santos e admirado em todos os que tiverem acreditado (2 Ts 1, 10) » (CIC, núm. 1041). « Seguindo os profetas e João Baptista, Jesus anunciou na sua pregação o Julgamento do último Dia. Então, serão postas às claras a conduta de cada um e o segredo dos corações. Então será condenada a incredulidade culpável que não frutificou a graça dada por Deus. A atitude em relação ao próximo revelará o acolhimento ou a recusa da graça e do amor divino. Jesus dirá no último dia : Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes (Mt 25, 40) » (CIC, núm. 678).

A linguagem de Vicente Ferrer é simples e familiar, repleta de imagens concretas ; os seus ouvintes em nada se sentem aterrorizados pela severidade das suas palavras, mas convertem-se, tocados pela bondade e doçura do pregador, que recomendava o seguinte : «falai de tal maneira que as vossas palavras pareçam sair não de uma boca orgulhosa e hostil, mas das entranhas da caridade e de uma compaixão paterna. Sede como um pai que se compadece dos seus filhos culpáveis… Tende o coração de uma mãe que acaricia os seus filhos ». Em Espanha, onde chega em 1409, trabalha com ardor pela conversão dos judeus à fé católica, totalmente convencido de que Nosso Senhor Jesus Cristo é o verdadeiro cumprimento do Antigo Testamento. Para o pregador, os judeus devem acudir por si mesmos ao Baptismo, e sente horror das violências que sofrem. A política favorável dos reis de Castela e de Aragão para com os membros desse povo tinha suscitado a inveja da aristocracia espanhola, até ao ponto de provocar pogromos (tumultos populares antijudeus) em Valência em 1391. O padre Vicente declara sem rodeios aos responsáveis, na Catalunha, que « os tumultos que fazem contra os judeus, fazem-nos contra o próprio Deus ». E quanto a ele, aproveita o seu conhecimento do hebraico e do Talmud para, cheio da sua bondade habitual e livre de qualquer paixão polémica, estabelecer controvérsias com os rabinos.

Uma alma semelhante

Em Múrcia, no Sul de Espanha, o infatigável pregador teve, em 1411, de descansar a sua voz afónica: « Deus o quis —comenta—, para que os meus numerosos sermões não me inspirem nenhuma vanglória, e para que, desse modo, não esqueça que Ele poderia tirar-me a voz para sempre ». E felicita-se por ter de prolongar a sua estadia na cidade « para dar ocasião a que muitas mais almas se convertam ». Porque, às vezes, « o próprio Deus — tinha explicado a almas fervorosas — porá um obstáculo aos vossos esforços para sua glória enviando-lhes uma doença ou fazendo surgir qualquer outro acontecimento. Não vos entristeçais. Recebei tudo com a alma sossegada e confiai n’Aquele que conhece melhor do que vós o que vos é útil, e que trabalha continuamente para vos elevar até Ele, talvez sem que vos inteireis, desde que vos abandoneis a Ele sem reservas ».

Entretanto o cisma que divide a Igreja continua a atormentar o coração do dominicano. Em 1407, já tinha organizado em Savona um encontro entre Bento XIII, papa de Avinhão, e Gregório XII, papa de Roma. Mas não teve nenhuma continuidade por causa da obstinação de Pedro de Luna ; a partir de então, Vicente Ferrer expressou dúvidas sobre a sua legitimidade. Em 1409, além disso, tinha desaprovado o concílio de Pisa, que proclamava os concílios gerais superiores ao Papa e tinha eleito um novo antipapa, Alexandre V, estabelecendo em três o número de pessoas que se afirmavam papas. Enquanto se reúne em 1414 o concílio de Constança para tentar resolver o cisma, Vicente Ferrer dá o seu apoio aos esforços do imperador Segismundo e do rei de Aragão com o objectivo de obrigar Pedro de Luna a que renuncie. Mas face à obstinação de Bento XIII, o dominicano acaba por reconhecer formalmente a sua ilegitimidade, e, em 1416, proclama ele mesmo publicamente a sua queda. O concílio de Constança conduz finalmente, a 7 de Novembro de 1417, à eleição de Martinho V para a Sede de Pedro, depois da deposição dos três competidores, pondo fim, dessa manera, ao Grande Cisma.

Trabalhar pela paz

Daí em diante, Vicente Ferrer não mais abandonará a França ; os seus sermões levam-no desde as regiões do Languedoc, Auvergne e Bourbonnais até Lyon, Nevers, Bourges, Angers, Nantes e Vannes. Por essa ocasião, o país estava devastado pela guerra dos Cem Anos. O pregador trabalha para devolver a paz, não somente mediante os seus sermões dirigidos ao povo, mas também reunindo-se com os poderosos, especialmente os duques da Borgonha e da Bretanha, assim como com o rei de Inglaterra. Entretanto, a sua saúde começa a ressentir-se seriamente, de tal modo que os companheiros valencianos pedem-lhe que regresse ao seu país natal para aí terminar os dias. Após se deixar convencer, embarca para a península Ibérica, mas os ventos contrários conduzem o barco até Vannes, onde o ilustre pregador termina o seu périplo na terra, poucos dias após, a 5 de Abril de 1419. O bispo manda inumar o seu corpo no coro da catedral, mas os dominicanos de Valência logo reclamam os restos mortais do confrade. Por decisão do Papa Nicolau V, o seu corpo permanecerá em Vannes. Serão numerosos os milagres realizados sobre o seu túmulo, e Vicente Ferrer será canonizado pelo Papa Calisto III a 29 de Junho de 1455.

No Evangelho de São João —ressalta o Papa Francisco— « afirma-se explicitamente que Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo se salve por Ele. O que crê n’Ele não será julgado ; o que não crê já está julgado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus (Jo. 3, 17-18). Isto significa que o juízo final já está em acto, começa agora no curso da nossa existência. Tal juízo pronuncia-se em cada instante da vida, como confirmação do nosso acolhimento, na fé, da salvação presente e operante em Cristo, ou ao contrário pela nossa incredulidade, ao encerrarmo-nos em nós mesmos. Mas se nos fechamos ao amor de Jesus, somos nós mesmos que nos condenamos. A salvação consiste em abrir-se a Jesus, e Ele salva-nos…Mas para isso, devemos abrir-nos ao amor de Jesus, que é mais forte que tudo. O amor de Jesus é grande, o amor de Jesus é misericordioso, o amor de Jesus perdoa. Mas deves abrir-te, e abrir-se significa arrepender-se, acusar-se das coisas que não são boas e que fizemos » (Catequese de 11 de Dezembro de 2013).

Ao elevar o olhar de uma geração inteira para a perspectiva do juízo divino, São Vicente Ferrer, ajudado para esta urgente missão mediante dons excepcionais, atraiu sobre os seus contemporâneos e o universo inteiro a misericórdia divina. A pregação de Jonas salvou Nínive, e a de Vicente Ferrer, de certo modo, salvou a cristandade. Fazendo eco disso, São João Paulo II assinalava, no início do seu pontificado, as seguintes palavras de São João : Meus filhos, é a última hora (1 Jo 2, 18), e recordava que « Na história do homem actua não só Cristo, mas também o anticristo (cf. 2 Ts 2, 7). É necessário que o homem, cada homem que de algum modo se sente responsável desta ameaça sobre-humana que pesa sobre a humanidade, se submeta ao juízo da própria consciência ; se submeta ao juízo de Deus… N’Ele estava a Vida, e a vida era a Luz dos homens . A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam (Jo 1, 4-5) » (Homilia de 31 de Dezembro de 1979).

Dom Antoine Marie osb