Carta

Blason   Abadia de São José de ​​Clairval

F-21150 Flavigny-sur-Ozerain

France


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8 Dezembro 2021
festa da Imaculada Conceição da Virgem Maria


Caro amigo da Abadia de São José

Na festividade do Sagrado Coração de Jesus, a 3 de Junho de 2016, jornada especialmente consagrada aos sacerdotes, durante o Jubileu extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco sublinhava : « Os tesouros insubstituíveis do Coração de Jesus são dois : o Pai e nós. Ele passava os dias entre a oração ao Pai e o encontro com as pessoas… Também o coração do sacerdote (pastor de Cristo) conhece somente duas direcções : o Senhor e as pessoas. O coração do sacerdote é um coração trespassado pelo amor do Senhor ; por isso, não se olha para si mesmo — não se deveria olhar para si mesmo — pois está voltado para Deus e para os irmãos. Não é um “coração instável”, que se deixa atrair pelas seduções do momento, ou que vai daqui para além em busca de aceitação e de pequenas satisfações. É, pelo contrário, um coração assente no Senhor, cativado pelo Espírito Santo, aberto e disponível para com os irmãos ». A história da Igreja mostra-nos inumeráveis sacerdotes de vida exemplar. O servo de Deus Francisco da Cruz edificou Portugal com a sua vida de entrega a Deus e às almas.

Francisco da Cruz nasceu a 29 de Julho de 1859 em Alcochete, perto de Lisboa. O pai dirigia um florescente negócio de madeira e possuía terras cultivadas por arrendatários. A mãe dedicava-se ao lar, e quando Francisco nasceu, já contava com Maria da Piedade, Manuel e José ; depois seguiram-se António e Isabel. Na casa dos Cruz a religião é praticada com fervor e, com a idade de nove anos, Francisco confessa com toda a naturalidade aos pais que deseja ser sacerdote. Na verdade, naquela época, em Portugal soprava um vento de anticlericalismo triunfante. As sirenes da ciência, que trazem prosperidade e bem-estar ao mundo sem se preocupar com Deus, enfeitiçam a humanidade. Em Outubro de 1875, Francisco entra na Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra. Apesar de levar a sério os estudos, a sua piedade não vai além do estritamento requerido pela Igreja : Missa dominical, Confissão e Comunhão uma vez por ano. O seu desejo de ser sacerdote não o impede de se entregar aos prazeres da vida : gosta da caça, de jogos, da boa mesa e bons charutos, de que não se priva. Canta maravilhosamente bem temas românticos, pelo que atrai a atenção das jovens, embora evite as ocasiões que possam levar a ofender gravemente a Deus, sem que por isso consiga resistir aos maus pensamentos, como confessará mais tarde. A mãe preocupa-se com ele, reforçando a oração dos terços em sua intenção.

Durante as férias em família, Francisco, para se treinar para a caça dispara a carabina contra os pardais. Não viu o jovem primo, deitado na erva à sombra de um silvado. Uma bala de chumbo atinge-lhe uma vista, deixando-o cego de um olho. Afectado pela tristeza, Francisco decide assumir os gastos dos estudos do menino para tentar reparar o dano. Entretanto, conhece o padre José Pires Antunes, um sacerdote onze anos mais velho que ele. O jovem admira nele o fervor sacerdotal, mas para poder seguir o seu exemplo necessita de passar a prova de uma grave enfermidade. Compreendendo então melhor a precariedade da vida e a fugacidade das suas satisfações, Francisco aproxima-se de Cristo, o único que não decepciona. O padre José Antunes conversa amiúde com ele sobre as almas que há para salvar, Francisco confidencia-lhe a intenção de um dia ir para os jesuítas e seguir as pegadas de São João de Britto, missionário jesuíta português, martirizado na Índia, no século xvii. Entretanto, por ocasião de um retiro espiritual, incentiva Francisco a fazer uma confissão geral e apoia-o a comprometer-se no seio de uma congregação mariana. Daí em diante, Francisco pertenece claramente a Jesus por Maria, abandonando assim a vida mundana.

Atrair simpatias

O padre José Antunes foi, pouco depois, nomeado professor no seminário de Santarém. Depois de se formar em Teologia, Francisco foi também nomeado para, nesse seminário, leccionar Filosofia. Apesar das dores de cabeça que o atormentavam desde os últimos exames, aceita o cargo como algo vindo da Providência. A 19 de Dezembro de 1880, o jovem professor recebe as ordens menores. A 15 de Agosto de 1881, morre-lhe a mãe de um antraz frontal. Com um fervor renovado e temperado pela tribulação, Francisco é ordenado sacerdote a 3 de Junho de 1882. Vivo e falador, tem o dom de atrair simpatias. É apreciado por ser paciente, carinhoso e bondoso. Mas, as lutas que teve de suportar contra o temperamento obstinado esgotam-lhe as forças e agravam-lhe as dores de cabeça. No início do ano lectivo de 1886, o jovem professor reconhece a sua incapacidade para ensinar, o que supõe o desmoronamento de todas as suas expectativas, apesar de inúmeros esforços. É nomeado, então, director de um colégio de órfãos sem recursos que se destinam ao seminário, na cidade de Braga. Ali, todos o respeitam e admiram pela sua autoridade humilde e calma. Jamais bate nas crianças que lhe são confiadas ; em caso de falta grave, manda o culpado ajoelhar-se enquanto ele mesmo recita o terço. É raro que a criança tarde a responder às Avé-Marias. A alegria dos melhores consiste em ajudar à Missa por ele celebrada, e muitos aspiram a acompanhá-lo no parque quando reza o terço. O “bom e santo” Padre Cruz, como lhe chamam, dá gratuitamente aulas de francês e de latim, e dedica uma parte importante do salário a recompensar os esforços dos alunos. Mas, passado pouco tempo, sente dificuldades em celebrar Missa : o seu organismo, de novo esgotado, obriga-o, em 1894, a apresentar a demissão.

Uma tarefa imensa

Depois de dez meses de repouso em Alcochete, sua terra natal, o Padre Cruz retoma o serviço. Em Outubro de 1895, é nomeado director espiritual dos alunos de um seminário menor perto de Lisboa ; passado pouco tempo será transferido para a cidade. Dedica o tempo livre a consolar os pobres e os enfermos ; do seminário avista o Tejo, desce à cidade colorida de ruas íngremes e visita os bairros pobres. Sentindo-se impotente para, sozinho, aliviar a miséria que vai descobrindo, solicita a generosidade da vizinhança. O sacerdote leva também a esperança do Evangelho aos prisioneiros : se são rejeitados por todos, Jesus ama-os como amou o Bom Ladrão. A sua reputação depressa se espalha pela cidade, de maneira que o seu confessionário é “assaltado” pelos fiéis. A tarefa de capelão do seminário, que em princípio era mínima, torna-se imensa, e o Padre dedica-se a ela com denodo, ao ponto de contrair uma pleurisia em 1899 ; por isso teve de regressar a Alcochete, para aí ser tatado. A ternura da irmã Isabel e os cuidados do irmão Manuel, médico, restabelecem-no lentamente. Durante o longo retiro aprende a aceitar a sua fragilidade, dispondo-se a seguir o Bom Mestre sem pesar nem reserva alguma.

« A união com Cristo — afirmava o Papa Bento XVI — supõe a renúncia. Implica que não queiramos impôr o nosso caminho nem a nossa vontade ; que não desejemos vir a ser isto ou aquilo, mas que nos abandonemos a Ele, sem nos preocuparmos em saber onde e de que modo Ele quererá servir-se de nós. Vivo, mas já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim, disse São Paulo a este propósito (Ga 2, 20). No “sim” da ordenação sacerdotal, fizemos a renúncia fundamental à vontade de sermos autónomos, à “auto-realização”. Mas é necessário que dia a dia cumpramos este grande “sim” nos numerosos pequenos “sim” e nas pequenas renúncias. Este “sim” dos pequenos passos que, unidos, formam o grande “sim”, não se poderá realizar sem amargura e auto-compaixão a não ser que Cristo seja verdadeiramente o centro da nossa vida » (Quinta-Feira Santa, 9 de Abril de 2009).

Paixões anticlericais

No decurso do ano 1900, o Padre Cruz retoma o cargo de capelão, mas, por não poder enfrentar todos os compromissos, renuncia em 1902. A 2 de Fevereiro de 1908, o rei Dom Carlos I e o príncipe herdeiro são assassinados em Lisboa. O príncipe Manuel sobe ao trono, mas dois anos mais tarde, refugia-se em Inglaterra na sequência de um golpe de Estado militar. É proclamada a República, e desencadeiam-se imediatamente as paixões anticlericales. Os jesuítas são acusados de serem a causa última de todos os males do povo. A partir de Outubro de 1910, os conventos são suprimidos e confiscados os seus bens. Instaura-se a separação da Igreja do Estado. Muitos jesuítas são encarcerados, os outros exilados. É proibido o uso da sotaina em público pelos eclesiásticos. O Padre Cruz estabelece-se em Lisboa, vestido à civil e aí visita os jesuítas encarcerados. Uma noite, num presbitério onde se refugiou com alguns companheiros, vê-se rodeado por um destacamento militar. Uns agitadores acodem e gritam : « Morte ! ». Os sacerdotes, que nada os acusa, permanecem surdos ao mandado ; a porta em castanho aguenta-se. Os homens de Deus confessam-se mutuamente. O Padre Cruz não tem medo, reza e reconforta os sitiados. Ao amanhecer os soldados retiram-se, mas os agitadores permanecem ali. O Padre Cruz vai à soleira da porta, olha com bondade os homens e dirige-se à igreja saudando-os ao passar. Respondem-lhe a meia voz, e todos se dispersam enquanto o sacerdote toca para a primeira Missa.

O padre Francisco da Cruz visita os prisioneiros do Limœiro. Está autorizado a levar lhes ajuda, mas não pode dirigir-lhes a palavra. Por ter infringido essa regra, foi encarcerado durante oito dias. Depois, dirige-se ao ministro de Justiça, Afonso Costa, obtendo dele un salvo-conduto para visitar os prisioneiros. Não obstante, aproximar-se deles torna-se difícil, pois muitos não são católicos e lançavam-lhe impropérios. Mas a sua bondade, perseverança e as judiciosas iniciativas acabam por lhes abrir os corações. O padre dá tudo o que possui, e nada recusa fazer : socorre famílias em dificuldades, empreende iniciativas administrativas e recursos de indulto, procura advogados. Com frequência acode ao Ministério da Justiça. Um dia, alguém dirige-se-lhe nestes termos : « Ao intervir em favor dessa gente, Sua Reverência arrisca-se a perder a reputação. — A minha reputação, responde, é o único bem pessoal de que disponho ; se pode servir para salvar um infeliz, dou-a de todo o coração ». Numa ocasião, sai em defesa de um prisioneiro que ia ser duramente castigado por o ter tentado agredir ; profundamente emocionado com tanta bondade, o prisioneiro pede para se confessar. Em quatro anos, o padre tornou-se o amigo indefectível dos prisioneiros, que o esperam e acolhem. Um dia, numa sala comum, apercebe-se que a sua carteira tinha desaparecido. Dirige-se nestes termos aos presentes : « Vamos pôr o rosto encostado à parede, vós dum lado e eu do outro ; vou pôr um banco entre nós, e quem tenha encontrado a minha carteira que faça o favor de a colocar no banco ». O padre fica com a carteira e todo o recheio. Amiúde, antigos detidos vão ter com ele na rua ; escoltam-no nos bairros pouco seguros, “no caso de”… Trezentos antigos prisioneiros estarão presentes no seu funeral.

« Está aquí um jesuíta ! »

O Padre Cruz preocupa-se também com as necesidades materiais das crianças pobres da rua. Não se preocupando em dissimular a sotaina, um dia foi cercado por um grupo de crianças exaltadas que lhe gritavam o pior insulto que conheciam : « Está aqui um jesuíta, está aquí um jesuíta ! », depois dispersaram-se. Chama-os e propõe-se a comprar pão para eles. « Gosto que me chamem jesuíta — afirma a esses pequenos cuja fome ultrapassa o terror… Em 1915, o Patriarca de Lisboa funda uma asociação para fortalecer o espírito sacerdotal, e nomeia como director o Padre Cruz. Este anima reuniões mensais onde exorta os colegas : « Trabalhemos, trabalhemos sem descanso ! Olhai para satanás, que não descansa nem de dia nem de noite ! Esta é a nossa missão : confessar e pregar enquanto houver ouvintes fiéis na igreja, e rezar até que não possamos mais ». Ele próprio prega com o exemplo.

O ministério sacerdotal é essencial para a Igreja — recordava o Papa Bento XVI : « Como Igreja e como sacerdotes anunciamos a Jesus de Nazaré, nosso Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado, Senhor do tempo e da história, com a alegre certeza de que esta verdade coincide com as expectativas mais profundas do coração humano… A centralidade de Cristo traz consigo a valorização correcta do sacerdócio ministerial, sem o qual não existiria a Eucaristia nem a própria Igreja. Neste sentido, é necessário velar para que as “novas estruturas” ou organizações pastorais não estejam pensadas para um tempo em que se deveria “dispensar ” o ministério ordenado (ministério dos diáconos, dos sacerdotes e bispos) partindo de uma interpretação errónea da justa promoção dos leigos » (Discurso na Assembleia Plenária da Congregação para o Clero, 16 de Março de 2009).

Em 1917, Sidónio Pais acede ao poder como Presidente da República. Apesar da sua ligação à maçonaria, trabalha para reconciliar o povo com a Igreja, põe fim às detenções arbitrárias e recupera a ordem no país. Nesse mesmo ano, na Cova da Iria, em Fátima, três crianças, que afirmam ter visto a Virgem Maria, esperam junto de um poço. Têm um encontro marcado com um padre que, segundo lhes haviam dito, consegue ler nos corações : seria em vão mentir-lhes e o seu interesse é dizer-lhe desde logo a verdade. « Tanto melhor se sabe adivinhar —diz a pequena Jacinta à sua prima Lúcia—, pois então verá que dizemos a verdad e ». Dois eclesiásticos aproximam-se lentamente : um velho sacerdote em cima dum jumento desce da sua montada, com o rosto iluminado por um bondadoso sorriso. « Meninos, quereis levar-me ao lugar das aparições ? » — pergunta o Padre Cruz. A esperança parece renascer nos pequenos videntes. Ao chegar ao pé da azinheira, o sacerdote reza lentamente o terço e depois tranquiliza as crianças. « Não temais ; não é o demónio que vos aparece, como vos têm dito, mas a Virgem Maria ! ». Lúcia e Francisco tranquilizam-se, e Jacinta exclama cheia de entusiasmo : « Vocemecê é um velhino simpático ! ». O padre, com a idade de cinquenta e oito anos, ri a bom rir. Daí em diante será para Jacinta « o padre que consegue adivinhar ». Desde então, o padre junta-se amiúde aos peregrinos de Fátima. Quando lhe perguntam se viu o sol bailar, responde : « Não, não vi o sol bailar. Não estava lá no dia do milagre, mas vi muitas lágrimas bailar nos olhos de tantos pecadores arrependidos graças ao milagre de Fátima, que isso pouco me interessa ».

Mudanças de humor

Com enorme alegria, o padre multiplica as atenções para com os demais. Mas continua vítima das mudanças de humor, e esta instabilidade temperamental leva-no, por vezes, a dar respostas menos simpáticas, mas logo que se apercebe da situação, pede desculpa. Apesar de uma saúde precária (sofreu três pneumonias : em 1927, 1945 e 1947) e de um estado de fadiga cerebral persistente, o Padre Cruz mantém uma actividade exagerada. Extrai a energia numa vida de oração contínua, percorre o país ao servicço das religiosas, dos prisioneros, ao encontro dos pecadores, sobretudo dos mais recalcitrantes. Um dia, orienta uma autêntica via-sacra de missão numa carruagem de comboio. Alguns passageiros respondem às orações. Por outra ocasião, durante uma viagem, reza o terço ; duas mulheres perguntam-lhe se não se cansa de estar sempre a rezar. « E as senhoras, não se cansam de estar sempre a tagarelar ? ». Durante uma enfermidade, o padre manda chamar o médico. Ao cabo de uma hora, este sai do quarto do doente muito emocionado : « Vim para dar uma injeção e confessei-me pela primeira vez ! ». O padre Mateo Crowley Boevey, apóstolo incansável do Sagrado Coração, escreverá : « Depois de ter percorrido o mundo, posso afirmar sem hesitar que, entre tantos excelentes padres, nunca encontrei alguém tão conforme ao adorável Modelo, um outro Cristo tão perfeito como o querido Padre Cruz ».

« Perguntemo-nos o que significa a misericórdia para um sacerdote —dizia o Papa Francisco—, permitam-me dizer para “nós”, padres ; para nós mesmos ; para todos nós mesmos ! Os sacerdotes emocionam-se diante das ovelhas, como Jesus quando via as pessoas cansadas e esgotadas como ovelhas sem pastor. Jesus tem as “entranhas” de Deus, e Isaías fala muito disso : está cheio de ternura para com as pessoas, sobretudo as que são excluídas, quer dizer, os pecadores, os doentes de que ninguém se ocupa…assim, à imagem do Bom Pastor, o padre é um homem de misericórdia e de compaixão, próximo do seu povo e ao serviço de todos. É um critério pastoral que eu queria realmente sublinhar : a proximidade. A proximidade e o serviço, mas a proximidade, estar próximo ! » (“Alocução a sacerdotes”, 6 de Março de 2019).

« Já dei tudo ! »

O Padre Cruz dá tudo sem nada guardar para ele. Ao finalizar um tríduo, alguém se apercebe que os seus honorários foram trocados com os dos músicos, dez vezes mais elevados. Alguém vai ter com ele para reparar a situação, o padre disse : « Ai, o erro é irreparável, já o dei todo aos pobres ! ». Um barbeiro, que acaba de o atender, vê como procura debaixo da capa, numa bolsa negra, onde a estola, a sobrepeliz, a água benta, as agulhas, a linha, o papel, o lápis, as provisões e o dinheiro se misturam à trouxe-mouxe. « Irmão, receio bem que hoje já o tenha dado todo, nada me ficou para te pagar. Que Deus te pague ». O barbeiro fica em dúvida, mas não protesta. No dia seguinte, dirige-se à paróquia e relata o incidente ao pároco. « Vou te pagar —diz-lhe—, conheço o Padre Cruz ». —Não, não, diga-lhe que venha sempre a minha casa ! Logo que partiu os clientes começaram a afluir. Nunca ganhei tanto dinheiro ! ». Ao dirigir-se a Bragança para pregar, o padre entra sem bilhete no comboio. Explica ao revisor que não tem dinheiro, mas que tem de chegar à última estação. O agente torna-se inflexível e obriga-o a sair na próxima paragem. Aí, o padre fica-se no cais, mas também o comboio : produziu-se uma avaria inexplicável. Ninguém consegue entender qual é o problema ; então, o revisor aproxima-se do mecânico : « Mandei sair o Padre Cruz porque não tinha bilhete, talvez tenha procedido mal ? ». Mandaram o padre subir para o comboio e, logo, o comboio começou a andar !

Em 1925, por ocasião de uma peregrinação a Roma, o Padre Cruz tinha pedido ao padre Ledochowski, geral dos jesuítas, que o admitisse na Companhia de Jesus, mas este tinha recusado receber um noviço de setenta anos e de saúde precária. Quatro anos mais tarde, não obstante, o padre geral obteve do Papa Pio XI uma autorização raramente concedida : o Padre Cruz poderá professar votos in articulo mortis. Em 1940, com oitenta e um anos, solicita e obtém do Papa Pio XII a graça de fazer votos sem mais delongas, pois receia morrer de uma forma súbita sem os poder professar : é a sua última grande consolação. Pouco a pouco as forças declinam-se-lh ; a enfermeira testemunhará : « Todos estávamos convencidos de que era um santo. Sentia em mim algo que não sentia junto dos outros doentes ; esforçava-me para ver neles a Cristo, mas junto dele, tão humilde e tão simples, e finando-se em Deus, também eu notava no mais íntimo da minha alma um grande desejo de amar o Senhor ». O Padre Cruz extingue-se a 1 de Outubro de 1948, primeira sexta-feira do mês do Rosário. Foi sepultado no dia da festividade (então a 3 de Outubro) de Santa Teresa do Menino Jesus, que tanto amava. O cardeal Cerejeira esceveu : « O santo Padre Cruz permanecerá como uma das glórias mais puras do nosso patriarcado. O clero de Lisboa venerá-lo-á sempre como um exemplo consumado do ministério apostólico, do sacerdote inteiramente consagrado à glória de Deus e à salvação das almas. Terá e procurará nele um modelo e um advogado ». O processo de beatificação do padre Francisco da Cruz foi iniciado a 10 de Março de 1951.

« O sacerdote é um dom do Coração de Cristo : um dom para a Igreja e para o mundo, dizia o Papa Bento XVI. Do Coração do Filho de Deus, transbordante de caridade, brotam todos os bens da Igreja, e é especialmente daqui que extrai a sua origem a vocação destes homens que, conquistados pelo Senhor Jesus, deixam tudo para se consagrar totalmente ao serviço do povo cristão, seguindo o exemplo do Bom Pastor. O sacerdote fica plasmado pela própria caridade de Cristo, por esse amor que o levou a dar a vida pelos amigos e a perdoar aos inimigos. Por este motivo, os sacerdotes são os primeiros obreiros da civilização do amor ».

Peçamos ao padre Francisco da Cruz que nos consiga de Deus muitos e santos sacerdotes.


Dom Antoine Marie osb